DESENVOLVIMENTO NORMAL E SINAIS DE ALERTA


Quando falamos de desenvolvimento, falamos também de mudança, génese, evolução e diacronia (Lourenço, 1997), ou seja, de transformações sucessivas ao longo da vida do indivíduo, no que diz respeito ao sistema de estruturação do mundo (Carlsen, 1988, in Lourenço, 1997). O desenvolvimento implica, assim, mudança e direcção, no sentido de uma maior diferenciação, integração, organização, adaptação e equilíbrio (Lourenço, 1997).




É na infância que as mudanças nas várias áreas de desenvolvimento se processam em maior quantidade.



O desenvolvimento normal é útil para podermos analisar o desenvolvimento patológico; através do conhecimento das características do desenvolvimento normativo, podemos encontrar sinais de alerta para as perturbações do desenvolvimento, permitindo, assim, diagnosticá-las.



Uma perturbação do espectro do autismo pode ser identificada através de diversos sinais de alerta que vão surgindo desde o nascimento da criança e que vão comprometendo o seu percurso de desenvolvimento.



Os sinais de alerta, do espectro autista, são comportamentos que a criança realiza/manifesta de forma discrepante, ou estão ausentes, quando comparados com os comportamentos tipo padrão, do desenvolvimento normal da criança.



A. Alterações e défices sociais de comunicação


Os bebés autistas podem dividir-se em crianças que choram sem parar, sem ser possível consolá-las, e em crianças muito calmas, que não solicitam a atenção do adulto. A falta de interesse pelas relações sociais é, assim, evidenciada desde muito cedo. Aliás, uma das características da criança autista é nunca pedir colo por sua própria iniciativa, que é um factor de conforto para a maioria das crianças com um desenvolvimento normal.



Os bebés autistas não respondem à voz humana, nem a diferenciam de outros sons e não reconhecem faces humanas como é suposto fazer já poucos dias depois do nascimento.



A criança tem fraca capacidade de adaptação da sua expressão facial, corporal, gestual e visual. No desenvolvimento normal, por exemplo, a criança começa a seguir objectos interessantes antes dos 3 meses de idade (Gleitman, 1999).



A criança com espectro do autismo evita o contacto visual e raramente o mantêm, as bebés desde muito cedo, fazem exploração e não se sentem incomodados com o contacto visual.



O sorriso, apesar de aparecer na idade normal, cerca dos 6 meses, não é uma reacção ao sorriso social mas surge apenas como reacção a um estímulo físico (Wing, 1982, in Garcia & Rodriguez, 1993).



Aos cinco meses, não reconhecem as figuras parentais, como o fazem as crianças com desenvolvimento normal (Wing, 1982, in Garcia & Rodriguez, 1993).


Apresentam incapacidade para jogos de interacção e de imaginação, ou seja, não respondem, como seria de supor, a brincadeiras do tipo “cou-cou” ou esconde-esconde (Wing, 1982, in Garcia & Rodriguez, 1993). Por volta dos 18-24 meses, é suposto que a criança comece a brincar ao “faz de conta” e a imitar de forma diferida, capacidades estas que muito dificilmente a criança autista vai ter, pela sua dificuldade interpessoal.



No fundo, a criança com autismo não mostra interesse em explorar o seu meio envolvente, como faria uma criança com um desenvolvimento normativo. Por exemplo, as crianças, no período de aquisição das reacções circulares secundárias (acções repetidas sobre o meio ambiente, eg. flectir as pernas para fazer abanar o móbil do carrinho), por volta dos 4-8 meses, e, mais tarde, quando começam a coordenar os esquemas secundários (8-12 meses), agem sobre o seu ambiente, o que já não acontece com as crianças autistas. Aliás, quando, por volta dos 8 meses, as crianças começam a buscar activamente um objecto desaparecido, evidenciando assim a noção de permanência do objecto, as crianças com autismo não iniciam essa busca por não manifestarem interesse pelo que as rodeia (Lourenço, 1997).



Para além disto, as crianças no estádio sensório-motor, adquirem experiência através da imitação, o que não acontece com a criança autista, já que esta não se interessa pelas expressões, comportamento e relações humanas. Desta forma verifica-se que o desenvolvimento sensório-motor, bem como os estádios posteriores, ficam comprometidos.



A criança autista não compreende e não utiliza os sinais sócio-emocionais, demonstra falta de resposta às atitudes afectivas das outras pessoas, de maleabilidade de comportamento de acordo com o contexto social em que se encontra, mostra fraca integração dos comportamentos sócio-emocionais, bem como a ausência de reciprocidade afectiva (Rutter, 1987, in Garcia & Rodriguez, 1993). O que dificulta o processo de vinculação. A criança com desenvolvimento normal no estádio sensório-motor, demonstra afecto pela mãe, pai ou ambos, bem como sentido de humor e de diversão.



B. Alterações da linguagem



Entre estes défices estão as dificuldades na aquisição do sistema linguístico e sua utilização, que normalmente se dá entre o estádio sensório-motor e o estádio pré-operatório, bem como dificuldades para compreender e utilizar as regras fonológicas, morfológicas e semânticas. Há crianças autistas que nunca chegam a adquirir uma linguagem falada e não compensam com uma forma alternativa de comunicação, à excepção da satisfação de necessidades físicas e materiais.



Na comunicação oral as crianças com autismo apresentam disfunção no timbre, na ênfase, na velocidade, ritmo e entoação, apresentam ecolália, falta de iniciativa para iniciar ou manter diálogo, de expressão emocional, utilização do nome próprio em vez de utilizar pronomes pessoais na primeira pessoa, linguagem formal, ausência de fantasia e imaginação, uso abusivo dos imperativos e poucos declarativos.



C. Défices cognitivos



A criança tem défice de abstracção, sequencialização e compreensão de regras, bem como na transferência de uma actividade sensorial para outra, que é a dificuldade em compreender um estímulo multi-sensorial, pelo que, perante um estímulo complexo, respondem apenas a um aspecto, o que acarreta grandes dificuldades na aprendizagem do todo.



Demonstra, ainda, dificuldades em processar e elaborar sequências temporais, e para perceber as contingências dos seus comportamentos e dos comportamentos dos outros.



D. Comportamentos repetitivos e estereotipados



A criança com autismo demonstra interesses restritos e estereotipados, formas de brincar inadequadas e, mais tarde, interesses por temas mais complexos, mas muito concretos (Rutter, 1985, in Garcia & Rodriguez, 1997).



Algumas crianças demonstram preferência e atracção por um objecto concreto e, muitas vezes, invulgar, levando-o consigo para todo o lado.



A criança autista, principalmente a partir da adolescência, desenvolve rituais compulsivos que, caso surja um imprevisto ou uma mudança no ambiente, provoca grande ansiedade, que pode levar também à agressividade face a si próprio ou aos outros.



Por fim, a criança autista apresenta maneirismos motores estereotipados e repetitivos, como por exemplo, auto-estimulações cinestésicas e auditivas.







Referências bibliográficas:



Garcia, T. & Rodriguez, C. (1997). A criança autista. In. R. Bautista (Coord.), Necessidades educativas especiais. Lisboa: Dinalivro.


Gleitman, H. (1999). Psicologia. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.


Lourenço, O. (1997). Psicologia do desenvolvimento cognitivo: Teorias, dados e implicações. Coimbra: Almedina.


Papalia, D., Olds, S., & Feldman, R. (2001). O Mundo da criança. Lisboa: McGraw-Hill.

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